sábado, janeiro 14, 2006

SONHANDO


Dormir para sonhar.
E sonhar para continuar vivendo.
Preciso da noite para desejar o dia.
Preciso do sono para registrar minhas lembranças.
De dia estou acordado, vendo o mundo de fora.
De noite estou dormindo, vendo o mundo de dentro.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Nome de avô

Minha mãe me colocou o nome de meu avô.
Melhor dizendo, minha mãe queria um filho que fosse como meu avô paterno e, por isso, me colocou o nome dele. Mas se o nome é de meu avô, este nome não é meu, não me pertence. Assim, eu não tenho um nome. O nome que me identifica é o do meu avô. E eu fiquei sem nome. E para mostrar que o nome não é meu ela acrescentou o Neto. Assim todos saberiam que eu não tenho nome, pois o nome que recebi é o de meu avô. E, como se isso não bastasse, me comparavam com meu avô que sempre vencia a parada porque foi tido como um grande homem, um bonachão, uma boa alma.
Eu tive que me contentar com aquilo que sempre seria: alguém que poderia ter sido como o avô e não teve capacidade para tanto.
Não consegui ser como ele pelo simples fato de que eu sou eu e ele foi ele.
Apenas por isso eu deveria ter, ao menos, um nome somente meu e não seguir a vida toda com um nome emprestado.
Este nome não sou eu. Este nome é que me come; é que me comeu.
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terça-feira, janeiro 10, 2006

Gatinha minha


Em 06 de novembro de 2003, após as dezessete horas.


Chego de Campinas. Abro a porta. Chove lá fora. Não se vê o horizonte da sacada. Ela está no sofá e me olha assustada, como se perguntasse: quem está aí? Vou até a área de serviço onde deixo as compras. Volto para a sala e ela está sobre o tapete e aparentemente me estranha. Apresento-lhe minha mão direita para ela cheirar e me identificar como seu amo. Ela cheira. Mas aparentemente não me reconhece com a valise cinza e corre para o quarto.
Depois vou até a cozinha e preparo pão com tahine.
Ela aparece e da cadeira me observa.
Volto para a sala e me sento à mesa, comendo o pão. Ela vem para a sala também e continua me observando. Em seguida, sobe à mesa e se senta sobre o livro e quer saber o que faço. O que estou comendo. Aceita um pedacinho do pão. Depois vem para meu colo e faz ron ron. Enquanto vou escrevendo ela acompanha com os olhos o movimento da caneta e, por vezes, me olha como se perguntasse: o que você está fazendo? Ouve ruídos além da porta de entrada e dirige as orelhas naquela direção observando atentamente.
Quer ficar próxima e lambe minha mão como se agradecesse minha presença.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Saudades

Nesta foto minha avó está com meu pai no colo.
Ela ficou viúva com cinqüenta e três anos de idade e veio morar em nossa casa na rua Diogo de Faria.
Minha avó substituiu com extraordinária vantagem minha mãe que eu quase não via, a não ser nos momentos mais críticos da semana.
Sinto saudades dela, de sua boa prosa, do chá da tarde que nos servia com bolachas maria...
As pupilas de minha mãe quando falava de minha avó refletiam cifrões como nos desenhos do tio Patinhas. Ela dizia que minha avó era rica porque tinha pensão de viúva de deputado. Minha avó, mesmo não gostando do que ouvia, acertava as contas do armazém, da padaria, da feira e não sei mais o quê.
Minha avó sempre me deu presentes, alguns estão comigo até hoje.
Mas o melhor foram os vinte e cinco anos desfrutando de sua amorosa companhia.
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domingo, janeiro 08, 2006

Paladar

Um gosto de escuro em boca fechada.

Alma apertada entre lábios.
Espremendo palavras não articuladas
porque a língua se refreia,
enquanto estou a meditar,
pensando no sol, no mar, na areia...
Pensando que a vida não condiz
com a tristeza desse olhar.

poema do livro: Anos que passam