Não sei

 

 Não sou daqui, não sei pra onde vou.

Estou indo pra onde não sei.

Não sei pra que lugar.

Pra onde vou que não sei?

Não sei quando vou chegar, 

nem saberei.

E, quando chegar, me calarei.

Calado até de mim.

Para onde vou, não sei.

Para onde vou, não sou.

Eu que não sei de onde vim

e que não sei pra onde vou.

Distante verão

 

 

Não sei se fico aqui, ou se vou me embora.

Não tenho tempo pra você, agora.

Oh, me espere, me espere, me espere noutra hora.

Oh, me espere, me espere, me espere, sem demora.

 

A chuva que chora lá fora, na rua,

lembra um dia de chuva sem lua.

Vendo, da janela, alguém que flutua

 sem amar de paixão, deixando a alma nua,

no distante verão que foi de nós dois.

Perdemos tempo, ou o tempo nos perdeu.

Oh, te vejo noutra hora, ou você me vê.

Quem está com você pensa que sou eu,

quem está comigo pensa que é você.

 

15/09/2022

Mercado do abstrato

 

Fui visitar o Mercado do Abstrato.

Havia lá a banca do tempo, a banca do cheiro, a banca do riso...

Ah! Quero comprar um pouco de tempo, me lembrei!

 

- Moço! Quero comprar tempo, quanto custa?

- Depende, quanto você quer?

- Duas horas para experimentar.

- Você quer duas horas da manhã, da tarde, da noite ou da madrugada?

- Qual é a diferença?

- A diferença é o preço.

- Como assim?

- Em geral, duas horas da madrugada são mais baratas do que duas horas da manhã.

- Quero duas horas da tarde para organizar os livros na estante.

- Duas horas de criança, ou duas horas de velho?

- Por quê? Muda o preço também?

- Duas horas de velho são mais caras.

- Por que são mais caras?

- Isso você só vai entender se chegar aos noventa anos.

- Está bem, então eu levo duas horas da tarde para quem tem trinta anos.

- Vou medir para você.

- Pronto! Estão aqui; duas horas bem medidas e embaladas.

- Quanto é? Perguntei, já tirando a carteira do bolso.

- Não, não é com dinheiro que você compra tempo. Na minha banca dinheiro não vale nada.

- Mas alguém já não disse que tempo é dinheiro?

- Imagino que dizem isso para que o tempo não seja desperdiçado.

- Então, como pago?

- Pergunte para si mesmo por qual motivo veio comprar tempo.

- Como assim?

- Acredito que não queira comprar tempo só para ficar à toa.

- Claro que não.

- Bem, poderia ser tempo para o ócio que também é necessário.

- Então, como pago as duas horas que estou comprando?

- Só tempo pode comprar tempo. Por isso, você paga com tempo mesmo.

- Como posso fazer isso?

- Eu sou um negociante e meu lucro está em trocar tempo mais barato pelo tempo mais caro. Por isto, você levando duas horas compatíveis com sua idade atual terá que me deixar duas horas dos seus sessenta anos.

- Está bem.

- Neste caso, você ficará me devendo quatro horas.

- O dobro?

- É claro, o tempo para quem tem o dobro da sua idade é mais valioso.

 

Fui para casa levando comigo aquelas duas horas preciosas de vida, mas logo que entrei, por descuido meu, a embalagem caiu e elas escapuliram e rapidamente saíram pela fresta da porta.